segunda-feira, 10 de agosto de 2009

"Cotovia"




-Alo cotovia!

Aonde voaste,

Por onde andaste?

Que saudade me deixaste?

-Andei onde deu o vento.

Onde foi meu pensamento

Em sítios, que nunca viste,

De um país que não existe...

Voltei, te trouxe alegria.

-Muito contas, cotovia!

E que outras terras distantes

Visitaste? Dize ao triste.

-Líbia ardente, Cítia fria

Europa, França, Bahia...

-E esqueceste Pernambuco

Distraída?

-Voei ao Cais

Pousei na Rua Aurora.

Aurora da minha vida

Que os anos não trazem mais!

Os anos não, nem os dias,

Que isso cabe às cotovias.

Meu bico é bem pequenino

Para o bem que é deste mundo:

Se enche com uma gota de água.

Mas sei torcer o destino,

Sei no espaço de um segundo

Limpar o pesar mais fundo.

Voei ao Recife, e dos longes

Das distâncias, aonde alcança

Só a asa da cotovia,

-Do mais remoto e rerempto

Dos teus dias de criança

Te trouxe a extinta esperança,

Trouxe a perdida alegria.

Manuel Bandeira

sexta-feira, 26 de junho de 2009

"Autismo"





O tédio que não revelo
resvala e vala na taquicardia
do sorriso emoliente
em minha ativa participação.
A morte, amiga de infância,
palpita vida na força do meu viver.
Sou segredos, dons, acasos e órfão,
silenciados em músicas e pickles.
Meu menino, a cirurgia, aquele cão, o não,
a morte do pai e minha irmã
moram anônimos
no quarto e sala da alma.
Falo o que calo
sinto o que guardo
sob outro eu igual ao mim
bem melhor, porém.
Mas autista.
O sexo implícito, o tesão abissal,
a gula mamada,
a timidez flatulenta,
jazem no fundo do meu mar.
Escafandro-me, debalde.
Calo constatações,
blasono brilhos
suicido sonhos,
calafrio-me a colher náuseas
e navego fés esperançosas.
Sou sem teto de onde salto
para o chão do não ser.
Minha blandícia
quem acarinhará?

Artur da Távola

"Bilhete"




Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...
Mário Quintana

quinta-feira, 25 de junho de 2009

"Homem e mulher"





Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,
enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.
Carlos Drummond de Andrade










domingo, 31 de maio de 2009

"Mãe"





MÃE

Renovadora e reveladora do mundo
A humanidade se renova no teu ventre. Cria teus filhos,
não os entregues à creche.
Creche é fria, impessoal.
Nunca será um lar para teu filho. Ele, pequenino,
precisa de ti.
Não o desligues da tua força maternal.
Que pretendes, mulher?
Independência, igualdade de condições...
Empregos fora do lar?
És superior àqueles que procuras imitar.
Tens o dom divino de ser mãe.
Em ti está presente a humanidade.
Mulher, não te deixes castrar.
Serás um animal somente de prazer e às vezes nem mais isso.
Frígida, bloqueada, teu orgulho te faz calar.
Tumultuada, fingindo ser o que não és.
Roendo o teu osso negro da amargura.
Cora Coralina

sexta-feira, 24 de abril de 2009

"O orgulho"







Quando sentimos o amor,
sabemos o que significa!
Quando sentimos a dor; igualmente...
Quando sentimos o calor... Edificante!!!
Quando o frio?!? ... Arrepiante!!!
Quando o afeto?!? Ah, gratificante...