sexta-feira, 31 de outubro de 2008

"Dois Quadros"



Na seca inclemente do nosso Nordeste,
O sol é mais quente e o céu mais azul
E o povo se achando sem pão e sem veste,
Viaja à procura das terra do Sul.

De nuvem no espaço, não há um farrapo,
Se acaba a esperança da gente roceira,
Na mesma lagoa da festa do sapo,
Agita-se o vento levando a poeira.

A grama no campo não nasce, não cresce:
Outrora este campo tão verde e tão rico,
Agora é tão quente que até nos parece
Um forno queimando madeira de angico.

Na copa redonda de algum juazeiro
A aguda cigarra seu canto desata
E a linda araponga que chamam Ferreiro,
Martela o seu ferro por dentro da mata.

O dia desponta mostrando-se ingrato,
Um manto de cinza por cima da serra
E o sol do Nordeste nos mostra o retrato
De um bolo de sangue nascendo da terra.

Porém, quando chove, tudo é riso e festa,
O campo e a floresta prometem fartura,
Escutam-se as notas agudas e graves
Do canto das aves louvando a natura.

Alegre esvoaça e gargalha o jacu,
Apita o nambu e geme a juriti
E a brisa farfalha por entre as verduras,
Beijando os primores do meu Cariri.

De noite notamos as graças eternas
Nas lindas lanternas de mil vagalumes.
Na copa da mata os ramos embalam
E as flores exalam suaves perfumes.

Se o dia desponta, que doce harmonia!
A gente aprecia o mais belo compasso.
Além do balido das mansas ovelhas,
Enxames de abelhas zumbindo no espaço.

E o forte caboclo da sua palhoça,
No rumo da roça, de marcha apressada
Vai cheio de vida sorrindo, contente,
Lançar a semente na terra molhada.

Das mãos deste bravo caboclo roceiro
Fiel, prazenteiro, modesto e feliz,
É que o ouro branco sai para o processo
Fazer o progresso de nosso país.

Patativa do Assaré

"Circulo Vicioso"





Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
"Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:


"Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela"
Mas a lua, fitando o sol com azedume:


"Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume"!
Mas o sol, inclinando a rútila capela:


Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta luz e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vagalume?"...

Machado de Assis

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

"Meu destino"



Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida...
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado
com a pedra branca
da cabeça de um peixe.
E, desde então, caminhamos
juntos pela vida...

Cora Coralina

sábado, 25 de outubro de 2008

"Ventura Terrena"


Goza de mais ventura terrena a rosa cultivada
do que a que,
fenecendo no galho selvagem,
cresce, vive e morre em solitária beatitude.
Wiliiam Shakespea
re

domingo, 19 de outubro de 2008

"As Estrelas"




Se as coisas são inatingíveis... ora!


não é motivo para não quere-las...


Que tristes os caminhos, se não fora


a magica presença das estrelas!
Mário Quintana

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

"Yes - Soon"

"Amargo, Doloroso e Difícil"





O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste breve,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos humanos,
Esquecidos...
Enganados...
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor...

domingo, 5 de outubro de 2008

"A Renúncia"



Sê o que renuncia

Altamente:

Sem tristeza da tua renúncia!

Sem orgulho da tua renúncia!

Abra a tua alma nas tuas mãos

E abre as tuas mãos sobre o infinito.

E não deixes ficar de ti

Nem esse último gesto!

Cecília Meireles

"Soneto à lua"



Por que tens, por que tens olhos escuros

E mãos lânguidas, loucas e sem fim...

Quem és, que és tu, não eu, e estás em mim

Impuro, como o bem que está nos puros?

Que paixão fez-te os lábios tão maduros

Num rosto como o teu criança assim,

Quem te criou tão boa para o ruim

E tão fatal para os meus versos duros?

Fugaz, com que direito tens-me presa

A alma que por ti soluça nua

E não és Tatiana e nem Teresa:

E és tão pouco a mulher que anda na rua

Vagabunda, patética, indefesa

Ó minha branca e pequenina lua!
Vinícius de Moraes

"Agulhas de Prata"



Com agulhas de prata

de brilho tão fino,

bordai as sedas do vosso destino.

Bordai as tristezas

de todos os dias

e repentinamente as alegrias.

Que fiquem as sedas

muito primorosas

mesmo com lágrimas presas nas rosas.

Com agulhas de prata

de brilho tão frio...

ai, bordai as sedas sem partir o fio!

Cecília Meireles

"Desenho"



Traça a reta e a curva,

a quebrada e a sinuosa.

Tudo é preciso.

De tudo viverás.

Cuida com exatidão do perpendicular

e das paralelas perfeitas.

Com apurado rigor.

Sem esquadro, sem nível, sem fio de prumo

traçarás perspectivas, projetarás estruturas,

número, rítmo, distância, dimensão.

Tens os seus olhos, o teu pulso, a tua memória.

Construirás os labirintos impermanentes

que sucessivamente habitarás.

Todos os dias estarás refazendo o teu desenho.

Não te fatigues logo.

Tens trabalho para toda a vida.

E nem para o teu sepulcro terás a medida certa.

Somos sempre um pouco menos do que pensávamos.

Raramente um pouco mais.

Cecília Meireles